sábado, 11 de setembro de 2010

Alma tempestiva


Enquanto o seu sangue é derramado no cálice eu não tiro lição nenhuma daqui. Deixe que os ventos soprem, levando tudo o que quiserem de mim. Só me pertencem aqui meus velhos sapatos de guerra. As outras porcarias podem ir para o lixo junto com você. As flores que nascem no jardim foram semeadas há tanto tempo, que agora a única coisa que sentirá o seu perfume é o cadeado do portão, que nos traz até aqui. Sua estupidez deixou de me comover a uma semana e os olhares caem sobre mim como caem sobre as estrelas. Eu vim até aqui e não estou pretendendo voltar. As minhas chaves estão na mesa da cozinha, a mesma, onde costumávamos jantar antes do meu amante chegar à cidade. O trem parte em duas horas e minhas malas vazias estão no hall de entrada. Os cachorros latem para as sombras que me aguardam lá fora. Os espectros me conduzirão em paz. O isqueiro que ganhei da minha avó no meu aniversario de 13 anos acende o último cigarro que irei pitar antes de partir. Estão jogados no quintal minha meia calça e meu terninho preto, dentro da minha bolsa estão o meu batom e esmalte vermelhos. Espero que vocês não se importem, mas estou bebendo o uísque direto do gargalo. Um rock pesado não pára de passar na minha mente e eu me pergunto de onde ele vem. O som dos trovões dá ritmo aos meus pecados, embalados aqui por causa de toda a confusão que pretendo começar. O cheiro de gasolina do posto pelo qual estou passando, ofusca o cheiro dos caminhoneiros que assobiam por me verem desfilar. Eu me esbanjo com a falta de classe que todos fingem não ter. Com o delineador borrado por causa da chuva, me tranco no banheiro esperando alguém aparecer. Mesmo com a tempestade que cai lá fora, eu consigo escutar os pneus da Ferrari cantando. É hora de ir. Hoje vamos celebrar a nossa falta de sorte, que me fez encontrar frente a frente o buraco da minha doce e inebriante alma. Eu e o silêncio impregnado naquelas paredes de pedras, podemos até ver que iremos nos dar muito bem. Perco-me andando pelos corredores tanto quanto me perco nos lençóis. O vazio encontrado naqueles espelhos combina com o vazio que hospeda a minha alma desde aquele último inverno. Os gatos comeram todos os pássaros que cantavam por aqui, até as empregadas tentam não se aproximar. Enquanto milhares de pessoas chegam para jantar, eu vejo suas almas refletidas naquele espelho da entrada. Os seus olhos mostram o que elas esconde ao passar pela porta, eles não mentem como mente a sua boca. Eles jogam sobre a mesa todas as suas angústias interiores, pois o medo que essas pessoas têm de perder o que por direito não é seu é maior que a vontade de lutar.

Um comentário:

  1. Oi.. passando para conhecer seu blog e agradecer o comentário no meu (www.lapsodememoria.zip.net). Aqui o sentimento é encontrado em cada palavra, as dúvidas, os desejos, os anseios de uma menina que gosta de escrever e que está entre o céu e a dúvida algumas vezes. Bons textos... Gostei... vou ficar te visitando e espero que vc me visite tb. Bjo. (joffrecardoso@yahoo.com.br)

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