domingo, 27 de junho de 2010

Sem volta


Suja, moribunda e descrente é assim que se caracteriza a vida de alguém, que como eu, usa de seus mais belos sorrisos para comer, beber e se saborear conforme sua vontade. Pelo menos é assim que as pessoas 'batalhadoras' gostam de descrever o impróprio cotidiano dos que se libertam dos ideais e fazem tudo a sua vontade, afinal o mundo ainda é dos vivos e me desculpem os mortos, santos e fracassados, mas os vivos são pecadores que ousam provar dos mais amargos pecados que se escondem na noite negra de inverno. Nem a lua se atreve a sair de trás das nuvens, os únicos vistos perambulando por aí são os insanos que negam a si mesmos os direitos comuns de um cidadão, pois estes não pertencem a lugar nenhum para terem suas almas julgadas no céu. O que eles possuem que é tudo menos alma, já está no inferno tendo uma conversa de perto com o traidor vermelho que por mim tanto chama.
Eu nego o direito de me lamentar a mim mesma, eu sempre uso de todos os ataques e artimanhas para ser o que nunca pude. Estou aqui sentada ao lado de um senhor com óculos fundo de garrafa e armação grossa, ele deve ter aproximadamente 75 anos, seus cabelos grisalhos e sua falta de movimentação não me deixam parar de pensar que esse velho combatente de guerra sabe muito e não compartilha nem uma migalha de suas experiências em campo. Sua mente parece estar em qualquer lugar menos ali, enquanto a minha mente tenta se ocupar em invadir a dele. O olhar vago desse senhor deve ser voltado ao seu passado, sua glorias e derrotas, o meu não seria assim tão diferente.
As palavras que aquela fria escritora disse em entrevista não me saem da cabeça, "Sou filha do trovão e da chuva, e conseqüentemente meus filhos nascem da incerteza que eu tive sobre a origem dos meus próprios pais.", se ela não fosse tão ladra de emoções e seus textos não fossem tão recheados de segredos sobre sua vida e suas mentiras eu até teria a honra de procurar dentro do meu interior forças para compreendê-la.
Vendo as pessoas passarem a minha frente com um destino traçado eu me protejo com um guarda-chuva do dilúvio crescente que está caindo e não me dou o prazer de ser como o céu que por tudo o que existe para fora. Seria tão obscuro tentar me lembrar da noite anterior que apenas me levantei e comecei a ir a qualquer lugar, tentando inutilmente me assemelhar aos demais engravatados, estava seguindo para um lugar que faria os telespectadores depressivos e incompreendidos acharem que tenho vida ao invés de um muro cheio de guardas.
Amanhã já estaria longe das ruas que me lembravam meu passado ensurdecedor e como agora nem ao menos preciso deitar-me para ser paga minha próxima parada seria Cuba. Uma cidade cheia de revolucionários rebeldes me faria bem, quem sabe algum deles pode descobrir como saciar minhas vontades, pois só não tive que ensinar ao último como mentir para sua mulher por que sua mulher se juntou a nossa dança sobre o meu lençol de 1000 fios de seda. Ela sim era uma mulher de verdade, do tipo que todos deveriam se curvar ao ver passar, ela é umas das mulheres que já teve seu nome pronunciado pela boca do mais lindo e inoportuno amor no auge de um grito noturno. Ela é o motivo que faz a nossa escritora querer morrer e provavelmente é o seu pior pesadelo, pois uma mulher por mais feliz que ela minta ser sempre tem vontade de se olhar no espelho e voltar a ser tudo o que sempre foi antes de ter que largar seus sonhos para chegar onde está agora.